A convite da Profª Ana Paula Silva,
esteve na nossa escola o Professor José Paulo Viana que realizou a palestra
"O Fascínio da Probabilidades". O texto que se segue foi retirado de
uma gravação que efetuei há uns anos, mas semelhante à realizada, aquando da
sua vinda à nossa escola e que gostaria de partilhar convosco.
Profª Susana Martin Tenreiro
A meia sempre no mesmo pé
“... Sempre gostei muito de matemática e probabilidades, e uma coisa que me acontece muitas vezes é associar as probabilidades às coisas que me vão acontecendo na vida, algumas delas um pouco estranhas - pelo menos para quem está de fora -, e durante anos eu não falava nisto às pessoas com medo que achassem que eu era um bocadinho esquisito. Eu vou dar um exemplo:
Uma das coisas que me
aconteceu durante muito tempo, era, quando eu de manhã me estava a vestir, a
certa altura ia-me calçar, ia calçar as meias e punha-me a pensar, será que
esta meia a última vez que a usei foi mesmo para o pé direito? Será que haverá
possibilidade dela, alguma vez, sem querer (porque as meias são indistinguíveis),
calçar sempre a mesma meia no pé direito e a outra no pé esquerdo? E um dia (eu
lembrava-me disto muitas vezes ao vestir), resolvi fazer as contas e ver qual era a
probabilidade disto acontecer e se era possível não a mim, mas a alguém no
mundo isto acontecer.
Então fiz os seguintes
cálculos:
Considerei que havia 6
mil milhões de pessoas no mundo
População
: 6 mil milhões 6 × 10 9
Destes 6 mil milhões de
pessoas nem todos usam meias. Na nossa cultura quase toda a gente usa, mas há
culturas onde não se usa, portanto a população que usa meias é mais pequena, e
admiti que era mil milhões. Há muitos países onde quase ninguém usa meias.
População
que usa meias: 109
Depois, quantas meias é
que uma pessoa usa durante a vida? Fiz uns cálculos com a minha experiência e
cheguei à conclusão que usamos 600 pares de meias, não todos de uma vez,
portanto,
Cada
pessoa usa uns 600 pares de meias durante a vida
Então o total de meias
usado será 600 vezes o 109 ou seja:
Total
de meias calçadas: 6 × 1011
E agora ainda era
preciso descobrir quantas vezes é que uma pessoa usa as meias. Uma pessoa usa
as meias, põe para lavar, a seguir volta, vai fazendo isto e a certa altura já
não consegue voltar a vestir porque já tem um buraco! Então, pela minha
experiência, uma pessoa usa as meias, cada par de meias, umas 40 vezes.
Cada
meia pode ser usada umas 40 vezes.
Para uma pessoa usar 40
vezes, a primeira vez pode ser calçada de qualquer maneira, mas a segunda a
meia que ficou na 1ª vez no pé direito tem que voltar a ficar no pé direito e
daí para a frente sempre! A probabilidade é ½ e esse acontecimento tem que se
verificar 39 vezes. A 1ª tanto faz mas a seguir são 39. Portanto,
Total
de meias calçadas: 6
× 1011
Probabilidade
de calçar as meias da mesma maneira que na vez anterior: 0,5
Probabilidade
de calçar sempre as meias da mesma maneira: 0,5 39
Agora multiplicando
pelo número de meias a uso, aí pelo mundo, que são aqueles 6 vezes 10 elevado a
11. E se eu multiplicar a probabilidade pelo número total de experiências
obtenho em média quantas vezes é que isto aconteceu. Fazendo as contas, obtenho
1,09.
Nº
de casos esperados para uma meia ter sido calçada 40 vezes seguidas no mesmo
pé:
6
× 1011× 0,539 = 1,09
Ou seja há aí uma
pessoa no mundo que calçou 40 vezes seguidas a mesma meia no mesmo pé e não se
apercebeu! Uma coisa facílima de acontecer, aconteceu, e ela não sabe... “
Pequeno dicionário amoroso
“....e eu vou
andando por aí e de vez em quando encontro referências à matemática e às
probabilidades nos mais diversos sítios.
Uma
vez fui ao cinema (vou muito ao cinema, muito mais do que vocês possam
imaginar), ver um filme que nunca tinha
ouvido falar, um filme brasileiro que se chama Pequeno Dicionário Amoroso, com
a Sandra Werneck como realizadora. Não percebi porque não passou em Portugal, é
um filme divertidissimo, bem disposto, bem feito, e que trata principalmente
das dificuldades nas relações amorosas entre as pessoas.
Há
duas personagens principais, duas raparigas. Uma delas, a quem tudo corre mal,
está sempre a contar as suas histórias a uma amiga, que é uma pessoa pragmática,
ligada à terra e que vai desmontando, muitas vezes do ponto de vista matemático
o que corre mal à outra.
Certa
altura, a primeira estava-se a queixar que as coisas tinham corrido mal com o
namorado e a segunda personagem sempre bem disposta e divertida diz-lhe:
-
olha queres ver, repara: há no mundo 5 000 000 000 de pessoas das quais
aproximadamente 2 400 000 000 são homens. Eu vou ter 24 namorados ( o que já é
um bom número).
Logo
a probabilidade de encontrar a alma gémea, o homem que foi feito para ela é
, que se se fizerem as contas é
, o que significa que é muito mais
difícil do que acertar no euromilhões. Ou seja se estamos à espera de encontrar
o homem ideal, isso é mais dificil do que acertar no euromilhões.
E
acrescentava ela a seguinte frase: “ Mas
procurar é muito divertido. Só por isso vale a pena.”
Data de nascimento
“....Agora vamos
mudar de assunto.
Há pouco falámos
da data de nascimento e a minha questao é a seguinte:
“Quantas pessoas eu preciso de
juntar para que a probabilidade de haver alguém a fazer anos no mesmo dia que
eu seja 50%?”
Ora
se eu juntar uma pessoa ou duas a probabilidade é muito pequena, portanto vamos
calcular quantas pessoas eu preciso de juntar para ter 50% de probabilidade de
ter alguém fazer anos no mesmo dia que eu.
Uma
das coisas que faço sempre, quase desde que comecei a dar aulas é, na primeira
aula,
entrego
as fichas, peço aos alunos para preencher e peço que ponham a data de
nascimento bem clara, porque quem fizer anos no mesmo dia que eu está passado.
Os alunos
arregalam os olhos, e perguntam está passado?
Sim, o 10 está
garantido, tudo o que fizerem será para subir a nota.
Entusiasmados
os alunos preenchem as fichas, a seguir ordeno-as, verifico as datas de
nascimento e ninguém acerta.
Fui
fazendo isto 1 ano, 2 anos, 3 anos e nada. 4 anos, 5 anos,… e ninguém fazia
anos no mesmo dia que eu. Comecei a estranhar, afinal faço anos num dia normal.
Ao
fim de 15 anos fui dar aulas à noite e numa das turmas esqueci-me de avisar que
quem fizesse anos no mesmo dia que eu estava passado.
Quando
eles devolverem as fichas e saíram, lembrei-me e fui ver as datas de nascimento
e havia um, um João. Fiquei todo entusiasmado.
Na
aula seguinte, chamei pelo João e faltava. Na outra aula voltei a chamar pelo
João e faltava. Na outra aula a mesma coisa. O aluno nunca mais
apareceu!!…estava passado e nunca mais apareceu!!!
E
continuei a fazer isto mais anos e ninguém aparecia. A certa altura até calculei
qual a probabilidade de com aquela enxurrada de alunos que já tinha tido,
ninguém fazer anos no mesmo dia que eu. Era cerca de 1%, … eu estava com azar!
E um ano
apareceu um. Avisei-o, estás passado! Ele espantado disse: “estou passado?”
Sim, estás passado.
Corrigi o primeiro
teste. Negativa.
Quando
fui entregar ele perguntou “ainda estou passado?” Sim, estás passado, mas
confesso que fiquei nervoso. Felizmente o rapaz lá conseguiu ter positiva mesmo
sem precisar do brinde.
Ora bem, vamos lá então calcular quantas
pessoas tenho que encontrar para que a probabilidade de haver alguém a fazer
anos no mesmo dia que eu seja 50%. ...”
Ora, mais fácil
do que calcular a probabilidade de haver pelo menos um é calcular a
probabilidade de não haver nenhum.
Quando chega a primeira
pessoa, a probabilidade é de
. Quando chega a segunda pessoa, a
probabilidade também é
.
Vamos
continuar a multiplicar
) e quando o resultado
chegar a 0,5 encontrei o número de pessoas.
Assim,
a probabilidade de
pessoas não
fazerem anos no mesmo dia que eu é
e
portanto a probabilidade de, num grupo de
pessoas alguém fazer anos no mesmo dia que eu
é:
.
Como
, eu tenho de juntar 253 pessoas.
Nesta sala estão mais
ou menos 80 pessoas, por isso a probabilidade de haver alguém que faça anos no
mesmo dia que eu é muito baixa.
Alguém faz anos a 17 de
Setembro?
Não??, pois …é pena...estavam
passados!
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